quinta-feira, dezembro 04, 2008

Man at Work

No momento, todos os atendentes estão ocupados em outro blog: elandarillo.blogspot.com

terça-feira, outubro 21, 2008

O fácil é o certo

"O fácil é o certo" é o título de uma música dos Titãs (álbum "Tudo ao mesmo tempo agora"); mas é também, se não me engano, uma frase atribuída a Confúcio, o sábio chinês. Desde que a ouvi pela primeira vez - não lembro agora se pela música dos Titãs, ou folheando uma enciclopédia sobre grandes pensadores da humanidade que minha mãe guardava com muito zelo - esta frase nunca mais parou de frequentar minha cabeça. O caminho certo a seguir é o mais fácil? É isso?
Hoje de manhã, queria entrar numa loja do outro lado da rua e resolvi atravessar de onde eu estava mesmo, ao invés de ter que caminhar até o sinal para atravessar e andar tudo de novo. A loja estava bem na minha frente, não fazia sentido caminhar tanto, se eu podia chegar até lá cumprindo uma linha reta ("uma reta é o caminho mais rápido entre dois pontos"). Entretanto, mesmo quando o sinal fechava, eu não conseguia cruzar a rua, porque os carros continuavam vindo e o tempo do sinal não era suficiente para que eles parassem totalmente. Depois de alguns minutos de inútil espera, decidi caminhar e atravessar na faixa, que é o certo. E foi então que a frase voltou à minha mente como um estalo, uma revelação: fazer o certo torna as coisas mais fáceis.

quarta-feira, outubro 08, 2008

O Fim do Mundo

Ele queria ver o fim do mundo. Era o seu grande sonho; um sonho que o acompanhou a vida inteira, desde os tempos de criança. Não tinha vergonha, nem medo de o afirmar aos quatro ventos. Quando lhe indagavam o porquê daquilo, simplesmente dizia que seria um grande espetáculo, o maior e mais emocionante de todos, de todos os tempos (as más línguas diziam simplesmente que ele gostava era de ver o circo pegar fogo).
Já tinha passado por muitas coisas ao longo de seus 85 anos de existência, e por algumas vezes pensou estar bem próximo de realizar o seu maior desejo: a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, a invasão da Baía dos Porcos, o buraco na camada de ozônio, o 11 de Setembro, Tsunami... Mas continuava tudo como sempre esteve: o planeta Terra caminhando para uma destruição lenta e gradual - coisa para algumas centenas de anos ainda.
Até que um dia, o fim do mundo chegou, assim de repente e sem ser anunciado. Do box de seu banheiro, onde tomava uma ducha fria, ouviu os primeiros gritos de dor e desespero: "Socorro!", "É o fim dos tempos", "É o fim do mundo"... Seu coração acelerou, suas pupilas dilataram, os poucos pelos de seus braços se arrepiaram - ele sabia, a hora era aquela, seu grande sonho seria realizado. Não fechou a torneira - que importa economizar água agora?; Não tirou o xampú dos cabelos - e daí se estou ridículo?; Não se enrolou na toalha - quem vai reparar na minha nudez com o chão se abrindo e as bolas de fogo caindo do céu?
Com a agilidade de outros tempos, saltou para fora da banheira. Mas escorregou no piso molhado e bateu a cabeça com toda força no chão. Enquanto a vida lhe esvaía junto com o sangue, ouviu aquelas que seriam suas últimas palavras: "João, abaixa a merda da televisão!"

segunda-feira, outubro 06, 2008

Folhas Secas - II

Hoje não tem nem café. Não há mais pó e a única caixa de fósforos da casa está molhada no banheiro, perto do gás. Acordar o patrão a essa hora da manhã é inútil, ele nunca se levanta antes do meio-dia e, provavelmente, não tem nenhum tostão para as compras.
O preto se ergue da cadeira da cozinha com a dificuldade usual da idade, pega o guarda-chuva, pois gotas miúdas salpicam de nuvens carregadas desde a madrugada, e vai até a venda que fica a duas quadras do casarão.
Compra com uns trocados próprios, economizados de outros carnavais, uma caixa de fósforos, um pacote de 250grs do café mais barato e o jornal - do café vai tomar uma xícara, mas do jornal nenhum gole, é analfabeto de pai e mãe.
O patrão acorda, vai até à sala metido em seu robe de chambre, senta-se à mesa do café e encontra o jornal cuidadosamente dobrado ao lado do bule de prata. Ele coloca sobre o colo o guardanapo de linho branco, limpíssimo, bordado com o brasão da família, enquanto serve-se do líquido negro e fumegante. Reclama do gosto do café, pergunta pelo pão, mas fica muito satisfeito com sua foto na coluna social, em que aparece cumprimentando a esposa do governador por ocasião de seu aniversário.

domingo, outubro 05, 2008

Folhas secas

Em qualquer rua, de qualquer bairro, em qualquer hora do dia ou da noite, as casas antigadas são o que mais me atraem. Os casarões sobretudo. Gosto de ver um casarão ainda habitado, mas não muito bem conservado, com paredes descascando, mesas e cadeiras de metal escuro e folhas secas espalhadas por toda a área externa. Dá um alívio; como se ali, pelo menos ali, o tempo corresse mais devagar. Por que a pressa? é o que me pergunto nesse momento.
As janelas estão fechadas e são de madeira envelhecida; os lustres são de ferro e vidro igualmente velhos (dentro uma lâmpada de 40 watts acesa dia e noite, não fazendo a menor diferença quanto a iluminação, mas acrescentando uma nota poética ao conjunto da obra). Não há movimentação, nem de gente, nem de animais domésticos, mas sabe-se que a residência é habitada. O que fazem essas pessoas? Do que vivem? Serão descendentes de tradicionais e aristocráticas famílias soterradas por dívidas? Como será por dentro?
Móveis antigos, de madeira escura; quadros de pintores mineiros espalhados pelos amplos cômodos; torneiras de bronze em forma de cisne (por exemplo); banheira nos dois banheiros principais, cujo chão é de azulejos pretos e brancos como um tabuleiro de xadrez; lavabos, bidês, espelhos grandes e pesados, com cantos arredondados; esculturas em madeira, plantas, muitos e variados abajures, pisos de tábua corrida e tacos, portas ovaladas, lustres de cristal com muitas lâmpadas, cristaleira com taças, porcelanas e prataria.
Um velhíssimo senhor ainda serve àquela família; um senhor negro que cresceu na casa, descendente dos primeiros criados, dos últimos escravos.
Agora me vem uma agonia, por pensar que ali o tempo corre muito devagar.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Anãologias

"Sou um poeta menor", disse-me uma vez um anão afro-descendente que eu conheci no balcão de um bar (eu estava escrevendo uma letra de música num guardanado de papel). Em seguida, o anão afro-descendente tirou uma moeda da minha orelha e falou: "Tá vendo! E tem gente que não acredita em magia negra".
Demorei alguns segundos para entender o que estava acontecendo, mas gostei do cara. Ofereci a ele uma bebida e perguntei se ele não gostaria de formar uma dupla cômica. Ele aceitou a bebida, mas não a oferta de parceria artística. "Você não me parece alguém à altura do meu talento", disse o sujeito, saltando do banco do bar e levando embora o pratinho de amendoins.

Papel de pão (o título anterior era Só por hoje)

Estou cansado de analogias e metáforas. Hoje. Assim como estou cansado de piadas de trocadilhos. Hoje.
Só por hoje, vou dizer pedra; cachorro; xícara; ônibus; bicicleta; cartas; papel de pão...

... Daí que papel de pão é uma conjunto de palavras bonito demais. E me faz parar de digitar para suspender a cabeça, erguer os olhos e lembrar... "papel de pão"... Ainda existem os sacos de papel, mas eu nunca mais comprei uma bisnaga, devidadmente enrolada num papel rosa e amarrada com barbante. Talvez em Paris - onde minha saudade mora no futuro - se compre baguetes que venham embrulhadas desse modo - Não, não! Agora lembro que me disseram um dia - quem mesmo? - que em Paris as baguetes são carregadas sem embrulho nenhum, embaixo do braço; e que algumas pessoas têm um carregador de baguetes próprio (não confiem nessa informação, realmente não sei de sua origem, talvez seja pura invenção).
Quase todo final de tarde, minha mãe catava os centávos e me mandava à padaria buscar o pão do lanche, que às vezes era bisnaga, enrolada em papel de pão. Quase sempre, a bisnaga chegava sem o bico, devorado, ainda pelando de quente, no meio do caminho.

... Papel de pão é poesia fácil; rasteira de tão óbvia ("Estava escrito num papel de pão / Foi o que arrasou meu coração").

...Papel de pão arrasou com meu dia. Amanhã começo minha dieta de metáforas e analogias (cheguei ao fundo do poço: rimei (de novo!)). Tanto que o título da postagem mudou no meio do caminho.

quarta-feira, outubro 01, 2008

JORNAL BOAS NOVAS (ANO I - No3)

Pesquisando na internet, achei algumas informações sobre o Eid el Fitr: trata-se de um festival que marca o fim do mês do Ramadã. E o que é o Ramadã? Abaixo, uma explicação exuta e esclarecedora:


PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo

Entre as principais comemorações do calendário lunar islâmico, destaca-se o Ramadã, mês sagrado em que, segundo a tradição, o profeta Maomé, fundador do islamismo, recebeu a primeira revelação divina.

Em 610 d.C., Maomé meditava quando o arcanjo Gabriel apareceu diante dele e começou a transmitir-lhe o Alcorão (livro sagrado).

Nesse período, os muçulmanos não comem, não bebem e adotam a abstinência sexual da alvorada ao pôr-do-sol. Em seguida, vão para a mesquita ou quebram o jejum em casa.

Jejuar no Ramadã é um dos cinco pilares fundamentais do islã. Os outros são: testemunhar que "não há deus senão Deus, e Maomé é o mensageiro de Deus"; orar cinco vezes ao dia em direção a Meca, berço do islamismo, na Arábia Saudita; pagar um tributo que corresponde a 2,5% da renda anual do muçulmano para caridade; e fazer uma peregrinação (Hajj) a Meca pelo menos uma vez na vida, para aqueles que têm condições físicas e financeiras.

Há mais de 1,3 bilhão de muçulmanos no mundo. No Brasil, são cerca de 1,5 milhão, segundo a Federação Islâmica Brasileira.

terça-feira, setembro 30, 2008

JORNAL BOAS NOVAS (ANO I - No2)

ROSH HASHANÁ E EID EL-FITR

Rosh Hashaná. É assim que os judeus chamam seu Ano Novo, que teve início ontem, dia 29 de setembro (pelo calendário judaico, estamos no ano 5.769). A data coincide com o início da primavera e, este ano, com mais duas datas da maior importância: o Eid el-Fitr, um dos dias mais sagrados do calendário islâmico, e o aniversário da minha mãe, que é hoje.

Esta notícia deveria ter ocupado as atenções do mundo - não a coincidência do aniversário da minha mãe, mas sim do Eid el-Fitr. Mas nossos valores são outros e estão nas bolsas. Azar o nosso.

O Rosh Hashaná começou ontem, após o pôr do sol (o que confere à data ainda mais beleza) e dura dez dias. São dez dias de reflexões que culminam com o Yom Kippur, o Dia do Perdão.

segunda-feira, setembro 29, 2008

JORNAL BOAS NOVAS (ANO I - No1)

A Primavera chegou!

Há uma semana que a mais leve e feliz das estações está conosco. Aqui no Rio de Janeiro, infelizmente, ela só nos deu o ar da sua graça no dia de sua inauguração, e hoje, muito embora timidamente. A chuva que tem caído na Cidade Maravilhosa deixa nossa urbe com cara de um inverno tardio, de uma estação que ainda mostra sua força - quando todos pensávamos que ela já estava nas últimas. Os senhores do tempo anunciam as massas de ar frio como causadoras deste fenômeno metereológico, com a mesma facilidade com que os senhores da saúde anunciam novas viroses como a causa das rinites, resfriados, vomitórios e diarréia que tanto - e constantemente - nos assolam. Para hoje, a previsão é de mais chuvas, mas a tendência é de estabilização do tempo, um sol acolhedor e noites enluaradas. Vamos torcer!

terça-feira, agosto 26, 2008

Mingau Quente

Comigo o amor vai acontecendo aos poucos: devoro e sou devorado pelas beiradas.

segunda-feira, agosto 25, 2008

A linguagem dos sinais

Existe uma linguagem dos sinais. Mas poucos são os "alfabetizados" e eu não sou um deles.

Hoje de manhã, enquanto caminhava para casa, pensava na melhor maneira de ir para o trabalho: de ônibus, de bicicleta ou a pé. Normalmente vou de bicicleta, mas como teria uma reunião na Barra depois do expediente, estava calculando os prós e contras das três opções - por exemplo, se fosse de bicicleta, teria que voltar em casa e depois pegar um ônibus para a Barra.

Ao passar por uma banca de jornal, vi uma revista pendurada em cuja capa havia a foto de uma mountain bike e a seguinte chamada: "Vá de bicicleta". Apenas isso. Na hora tive a certeza de que se tratava de uma resposta; mas como a Razão dizia outra coisa, revolvi ignorar a "mensagem" e fui para o trabalho a pé.

Mais tarde, recebo um e-mail da pessoa com quem me encontraria cancelando o encontro. E assim, a Razão foi por água abaixo. O sinal que me foi dado, embora para mim de lógica incompreensível naquele momento, estava certo.

Perdi uma grande oportunidade, porque cada sinal ignorado faz com que nos afastemos mais e mais desse "alfabeto sensitivo". É como aprender uma nova língua, mas não praticá-la: com o tempo nos esquecemos de tudo, e nos tornamos ignorantes para aquela forma de comunicação.

quarta-feira, agosto 13, 2008

Nenhum Flagrante

Depois do almoço pesado, uma breve caminhada pelo calçadão de Ipanema. A digestão como principal motivo daquele esticar de pernas antes de sentar na cadeira em frente ao computador para mais 5 horas de trabalho. Mas também uma outra motivação: a busca de um flagrante. Estrangeiros desengonçados (como qualquer turista em qualquer parte do mundo); homens tatuados jogando altinha; outros homens tatuados jogando frescobol; mulheres tatuadas torrando ao sol - é impressão minha ou todo mundo no Rio é tatuado?
De repente, dois policiais, cada qual num quadriciclo, invadem a areia: eles também estão atrás de um flagrante. Giram em torno de um grupo de pessoas, conversam entre si, andam mais um pouco e em seguida voltam para a ciclovia. Alarme falso, nenhum flagrante.

O mesmo acontece comigo: volto para o escritório, sento-me diante do computador e digito palavras mediocres.

terça-feira, julho 29, 2008

Essa é do meu querido irmão

Será que ela vai entender isso? Eu acho que seria demais.

-Viveremos muito, diz ela o tempo todo. Questões óbvias do Mundo? Nem pensar!
Aquecimento global, violência, falta de alimento...tá na cara que estamos na maior das merdas, mas isso não vai acontecer conosco, afinal, somos um casal feliz e queremos um filho nosso. Amamos os nossos agregadinhos, entende? Filho dela com outro, filha minha com outra...somos felizes, sim, mas vou perguntar mesmo assim.

- Amor.
- oi.
- eu estava pensando...
- hum
- acho que vou investir num plano de assistência funeral
- Oquê?! É louco mesmo!
- mas, amor, a gente não sabe do dia de amanhã...
- Cara, é muito absurdo...
- mas são só R$ 2,00 por dependente...

Faço uma pausa quando noto a cara de louca possuída que seria lindo se fosse num ato sexual, entende? Violência mesmo! Acaba comigo! Vai, seu cachorro! Hummm....

- você acha que vou viver pra sempre? Pensa no perrengue que será se acontencer...
- CHEGA! Quer fazer algo de bom? Faz um plano de saúde e não um de morte, merda! Vai escolher cor de caixão, flores amarelas ou brancas, com vidro pra mostrar o rosto ou sem vidro? Quer saber de uma coisa? Vou tomar meu banho.

Naquele momento pensei na minha posição de homem da casa e, dias depois, fiz um plano de saúde pra mim. Caro pra mim, cobria algumas coisas legais tipo enfermaria. Legal, se eu me fuder fico com no máximo mais 3 fudidos do meu lado. Boa!!!
Meses se passaram e somos um casal lindo de novo.
Toca o telefone da minha casa.

- Alô
- Boa noite, senhor...o senhor conheço a senhora Sônia Albuquerque de Alcântara? Meu Deus!...ele disse o nome completo...(boca seca)...tomara que seja dívida...
- si, sim...conheço, por que?
- Olha, senhor...ela se envolveu num acidente grave...algumas pessoas foram atropeladas...inclusive ela e...bom...ela não resistiu, senhor. Infelizmente veio a óbito.

Enquanto ele me dava as informações, eu ia sentindo um fade out em meu ouvido, comecei a não ouvi-lo mais...sentei depois que anotei tudo, desliguei o telefone de leve em sua cara e nem chorei. Fiquei ali uns minutos, levantei e saí.

Total do enterro: R$ 2,000.00. Claro que não tinha esse dinheiro sobrando, claro que tive que cancelar meu plano de saúde com enfermaria e pedir dinheiro emprestado.

- Amor?
- sim, sou eu
- o que houve...
- calma...não fala nada agora. Vem comigo
- pra onde? Como?...
- Você agora está bem, meu amor e comigo
- O quê?! Peraí...e as crianças? O que é isso! Aquele sou eu no chão!

Ah, o amor...lindo e, agora sim, duradouro mesmo. O egoísmo e a loucura ficaram lá, com nossos filhos e nossos pais brigando e querendo achar culpados. Ah, que se dane tudo. Decidam no tapa: plano de saúde ou plano de morte?

Marcelo Daguerre

HOMME

Trancou a bicicleta no poste em frente ao prédio onde trabalhava; esfregou uma mão na outra para amenizar as manchas de graxa; tirou a camisa da mochila e jogou-a sobre o corpo suado. Entrou no prédio no mesmo momento que sua colega, esta vestida e maquiada para mais um dia de batente no escritório. Que bom que sou homem, ele pensou, olhando o painel do elevador. Mas não havia se dado conta do próprio pensamento. Como assim? Não pensou no que pensou? Não, não pensou. Apenas... pensou.

Horas depois, estava sentado num boteco almoçando isca de fígado acebolado com feijão, arroz, salada de alface e tomate, farofa e duas ou três batatas cozidas. Ao seu lado, sentou-se um sujeito negro, com roupas velhas e sujo de tinta de parede. Um aceno de cabeça foi o bastante para dizer, respeitosamente, que iria se sentar também àquela mesa. Algo parecido se deu na hora de pegar a garrafa de pimenta e em seguida o paliteiro: nenhuma palavra foi dita e, no entanto, a comunicação era perfeita. Que bom que sou homem, ele pensou novamente, agora dando-se conta da sensível formulação. Ficou contente com a frase tão simples quanto objetiva. Pediu uma caneta ao dono do boteco, puxou de um copo de geléia uma folha grossa que servia de guardanapo e começou a anotar a frase: que bom que... Parou no meio ao notar que o negro, que espalitava os dentes com vigor, tentava ler o que ele escrevia. Então, devolveu a caneta, amassou o papel e foi embora, pensando em anotar aquela frase quando estivesse a sós.

sexta-feira, julho 18, 2008

Nova Fase: Give Peace a Chance

Quinta, 17h30

A lua estava magnífica. Voltava pra casa de bicicleta pela Lagoa, quando a vi, na altura do heliporto, prateadíssima por sobre a Pedra da Gávea. Não tinha como não parar e fazer um minuto de silêncio diante daquela maravilha. Tentei tirar uma foto com meu celular, mas não deu certo. Melhor assim, pensei, fotografando com meus olhos e registrando no meu coração aquele momento.

Continuei meu percurso até em casa, passando pelo local onde, às cinco e meia da manhã daquele mesmo dia, dois policiais foram metralhados por bandidos que queriam roubar suas armas. Havia uma multidão no que parecia ser uma solenidade em homenagem aos mortos, com cartaz, cruzes fincadas num canteiro e flores depoistadas no local onde a viatura costumava ficar estacionada.

Na noite anterior, passei a pé por aqueles dois policiais e senti medo deles. Passei tentando não olhá-los, não encará-los, para que eles não achassem que eu estava com alguma intenção perversa, como, por exemplo, matá-los para lhes roubar as armas.

terça-feira, julho 15, 2008

fragmento de música (ainda sem título)

Já descobriram água congelada em Marte
Já descobriram água congelada em Marte

Mas eu me pergunto: será que existe vida inteligente
No coração da gente (No coração da gente)
Mas eu me pergunto: será que existe vida inteligente
No coração da gente (No coração da gente)



E por aí vai...

terça-feira, junho 03, 2008

Mi Blue Phase

desde hoy hasta no lo sé cuando i'll just write in spañenglish...

quarta-feira, maio 28, 2008

feliz idade

Nem oito da manhã e ele de pé. E tinha ido dormir às três. Ia do quarto para o banheiro, quando viu o menininho sentado no sofá da sala, rindo sozinho.
Do que você está rindo, quis saber. À curiosidade juntava-se as remelas e a boca pastosa da noite mal dormida.
O menino de chupeta na boca, respondeu: cosquinha, apontando para o próprio joelho, o qual ele acariciava com a pontinha da orelha de um cachorro de pano.
Talvez uma xícara de café quente tenha o mesmo efeito, ele pensou, sentando-se ao lado do menino.

yin-yang

Não existe São Jorge sem dragão.

terça-feira, abril 29, 2008

O Gato

Dormia um sono profundo quando sentiu uma pequena presença, quente e roliça, aninhada nas dobras de suas pernas (dormia solitariamente em conchinha). Não se assustou com aquilo, o que era uma novidade, pois costumava se sobressaltar com a própria sombra. Teve até o cuidado de levantar devagar para não machucar o que quer que fosse aquele... ser. No breu do quarto completamente vedado (porta fechada e janela com quebra-luz), pode ver apenas os olhos brilhantes do animal. Sim, um animal... Um gato.
Não tinha gatos, não podia tê-los: era alérgica a pelos, fumaça, poeira, pólen... Mas além de não ter sentido medo, não sentiu também nenhum mal-estar com a felina presença.
Será que tinha leite em casa, pensou preocupada. Mas o gato já tinha baixado novamente a cabeça junto às patas dianteiras e fechado os olhos em tranqüilo repouso. Da mesma forma, ela escorreu suas costas da parede para a cama e voltou a cobrir-se. Rapidamente teve a sensação de estar sendo tomada pelo inconsciente, o que lhe causou imenso prazer. Ainda teve tempo de pensar que aquela era a primeira noite, desde sua separação, que conseguia dormia de verdade. A primeira vez que não lhe incomodava o fato de estar absolutamente só consigo mesma.

sábado, março 22, 2008

A escova azul

Duas semanas, ou três semanas? Era o início da terceira semana. Para ele, a compra de duas escovas de dente, uma rosa para ela, uma azul para ele, não tinha relação direta com o tempo em que estavam juntos (tempo este que coincidia com o tempo que eles se conheciam). Pareceu-lhe natural colocar a escova rosa no copo de requeijão que ficava na prateleira de seu banheiro. Da mesma forma que lhe parecia natural mostrar a ela a escova azul, explicando que era para ficar em sua casa. Mas a freada brusca do carro naquela noite chuvosa mostrou que para ela a coisa não se dava bem assim.

O que é uma escova de dentes? Em princípio um simples objeto de higiene bucal. Por que eles deveriam continuar compartilhando as mesmas escovas cada vez que um dormia na casa do outro? Em duas semanas de relação, só não dormiram juntos três noites. Por que, então, cada um não podia ter sua própria escova na casa do outro?

Voltavam do cinema e haviam passado na casa dele para pegar a mochila com tudo o que ele iria precisar no dia seguinte, inclusive a escova de dente azul, comprada junto com a rosa naquela tarde.

- Comprei uma coisa pra deixar na sua casa.

O motorista do carro que vinha logo atrás deles precisou de muita habilidade para desviar do carro dela, principalmente porque a pista estava molhada da chuva. Para ele a reação da namorada (?!) foi desmedida, quase teatral. Depois dos xingamentos do habilidoso motorista do outro carro, o silêncio imperou, quebrado apenas pelo barulho do limpador de pára-brisa e das grossas gotas de chuva que bombardeavam a lataria do automóvel.

Minuto e meio depois, ela ligou novamente o carro, acionou a seta e pegou um retorno.

- Melhor cada um dormir na sua casa.

O que ele poderia dizer? Em pouco tempo o carro chegou à frente de seu prédio. Ele saltou e imediatamente um zumbido eletrônico fez com que o portão se abrisse (o porteiro sabia de quem se tratava). Entretanto, apesar da chuva, ele não entrou. Esperou que ela fizesse a volta e decesse a rua, até desaparecer na primeira curva à direita. Então, ele olhou para a escova de dente azul que estava em sua mão e se lembrou do comercial que dizia que aquela marca era recomendada pelos dentistas.

Melhor seria se fosse recomendada pelos psicólogos, foi o que pensou antes de entrar.

terça-feira, janeiro 29, 2008

O quadro

A primeira vez que entrei no apartamento dela, fiquei encantado com um quadro muito colorido que decorava a sala, pendurado sobre o sofá branco. A cor predominante é o vermelho, mas destacam-se o amarelo, o laranja e o rosa. O único objeto representado é um carro antigo, anos 50, que está em movimento acionado pelas cores que o compõem - todo o quadro está em movimento provocado pela explosão de cores e a massa de tinta em palhetadas ondulantes. Acertei de imediato que se tratava de uma pintura de Rubens Gerchman, porque sempre o admirei e me deleitei com seu estilo de poética Pop (retirei o quadro da parede e vi a assinatura do pintor na parte de trás).

Rubens Gerchman faleceu às seis horas da manhã de hoje, coincidindo com outra pequena-grande-particular perda.

Origami

Estou com um bebê no colo – um menino rosado e lourinho –, olhando pela janela de um apartamento que fica num andar muito alto. Ao meu lado, minha mãe. O bebê sai do meu colo para brincar no parapeito da janela e cai. Desesperado, consigo agarrar o bebê pela roupa; olho para minha mãe e peço ajuda, mas ela simplesmente não se mexe. Consigo salvar a criança e vou com ele ao chão, abraçando-a com firmeza e cuidado, acariciando sua cabecinha, olhando bem nos seus olhos e dizendo: “Está tudo bem, está tudo bem”. Pergunto a minha mãe por que ela não me ajudou, mas, sem dizer uma palavra, compreendo qual a sua intenção: fazer o bebê perceber que parapeito não é lugar para se brincar.

Agora estou num espaço aberto, um campo, perfeito para piqueniques. Estão presentes, além de minha mãe, meu irmão Marcelo – mais novo do que ele é hoje em dia –, minhas irmãs, Mônica e Liana, e Edson, marido de Mônica. Edson e eu estamos brincando com uma gaivota que ele fez para mim. Há também um carro branco, que pertence a Edson, com dois origamis em forma de pássaro presos na lateral do carro: um rosa, de Mônica, e outro feito de jornal, de Edson. Este último parece estar meio rasgado e emendado com fita durex. Num dado momento, a gaivota pára longe, perto do bebê, que está começando a aprender a andar. Há um cachorro por perto, que parece pertencer a algum de nós. Mostro para meu irmão que vou fazer com que o cachorro pegue a gaivota para mim e lhe dou uma ordem: “Pega”. Mas o cão entende que é para avançar no bebê e rosna para ele. Consigo fazer o animal entender que não é para machucar a criança, tanto que em seguida aparece um outro cachorro ameaçando o pequenino e o nosso cão lhe morde a perna.