quarta-feira, junho 03, 2009

Taba

Levanta a cabeça e olha as portas fechadas do armário. Mia para si mesmo. Quando atravesso de um cômodo a outro, corre na frente, esfregando-se nas minhas pernas. Olha fixamente para Ana, enquanto ela dorme. Mia para Ana acordar. Quer estar tão perto, que às vezes sobe em nossos ombros como um papagaio. Cheira nossa boca. Já mordiscou meu nariz.
Taba me dá asma. Pela primeira vez, preciso usar bombinha. Outro dia, passei meia hora explicando para ela que não podia ficar perto. Ela miou alto e fino, como um lamento. Voltou a me seguir e eu a fechar a porta do quarto.
À noite, ela fica aninhada em si mesma, na porta do quarto. Qualquer movimento na cama faz com que ela mie. Taba quer entrar. Taba me dá asma. Taba não pode entrar.

sábado, maio 23, 2009

O Retorno

Voltar. Por que voltar? Por que eu fui mesmo? Para onde fui? Que caminhos percorri? O que eu deixei pra trás? O que ficou disso tudo? O que fazer agora que voltei? Por que voltar?

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Man at Work

No momento, todos os atendentes estão ocupados em outro blog: elandarillo.blogspot.com

terça-feira, outubro 21, 2008

O fácil é o certo

"O fácil é o certo" é o título de uma música dos Titãs (álbum "Tudo ao mesmo tempo agora"); mas é também, se não me engano, uma frase atribuída a Confúcio, o sábio chinês. Desde que a ouvi pela primeira vez - não lembro agora se pela música dos Titãs, ou folheando uma enciclopédia sobre grandes pensadores da humanidade que minha mãe guardava com muito zelo - esta frase nunca mais parou de frequentar minha cabeça. O caminho certo a seguir é o mais fácil? É isso?
Hoje de manhã, queria entrar numa loja do outro lado da rua e resolvi atravessar de onde eu estava mesmo, ao invés de ter que caminhar até o sinal para atravessar e andar tudo de novo. A loja estava bem na minha frente, não fazia sentido caminhar tanto, se eu podia chegar até lá cumprindo uma linha reta ("uma reta é o caminho mais rápido entre dois pontos"). Entretanto, mesmo quando o sinal fechava, eu não conseguia cruzar a rua, porque os carros continuavam vindo e o tempo do sinal não era suficiente para que eles parassem totalmente. Depois de alguns minutos de inútil espera, decidi caminhar e atravessar na faixa, que é o certo. E foi então que a frase voltou à minha mente como um estalo, uma revelação: fazer o certo torna as coisas mais fáceis.

quarta-feira, outubro 08, 2008

O Fim do Mundo

Ele queria ver o fim do mundo. Era o seu grande sonho; um sonho que o acompanhou a vida inteira, desde os tempos de criança. Não tinha vergonha, nem medo de o afirmar aos quatro ventos. Quando lhe indagavam o porquê daquilo, simplesmente dizia que seria um grande espetáculo, o maior e mais emocionante de todos, de todos os tempos (as más línguas diziam simplesmente que ele gostava era de ver o circo pegar fogo).
Já tinha passado por muitas coisas ao longo de seus 85 anos de existência, e por algumas vezes pensou estar bem próximo de realizar o seu maior desejo: a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, a invasão da Baía dos Porcos, o buraco na camada de ozônio, o 11 de Setembro, Tsunami... Mas continuava tudo como sempre esteve: o planeta Terra caminhando para uma destruição lenta e gradual - coisa para algumas centenas de anos ainda.
Até que um dia, o fim do mundo chegou, assim de repente e sem ser anunciado. Do box de seu banheiro, onde tomava uma ducha fria, ouviu os primeiros gritos de dor e desespero: "Socorro!", "É o fim dos tempos", "É o fim do mundo"... Seu coração acelerou, suas pupilas dilataram, os poucos pelos de seus braços se arrepiaram - ele sabia, a hora era aquela, seu grande sonho seria realizado. Não fechou a torneira - que importa economizar água agora?; Não tirou o xampú dos cabelos - e daí se estou ridículo?; Não se enrolou na toalha - quem vai reparar na minha nudez com o chão se abrindo e as bolas de fogo caindo do céu?
Com a agilidade de outros tempos, saltou para fora da banheira. Mas escorregou no piso molhado e bateu a cabeça com toda força no chão. Enquanto a vida lhe esvaía junto com o sangue, ouviu aquelas que seriam suas últimas palavras: "João, abaixa a merda da televisão!"

segunda-feira, outubro 06, 2008

Folhas Secas - II

Hoje não tem nem café. Não há mais pó e a única caixa de fósforos da casa está molhada no banheiro, perto do gás. Acordar o patrão a essa hora da manhã é inútil, ele nunca se levanta antes do meio-dia e, provavelmente, não tem nenhum tostão para as compras.
O preto se ergue da cadeira da cozinha com a dificuldade usual da idade, pega o guarda-chuva, pois gotas miúdas salpicam de nuvens carregadas desde a madrugada, e vai até a venda que fica a duas quadras do casarão.
Compra com uns trocados próprios, economizados de outros carnavais, uma caixa de fósforos, um pacote de 250grs do café mais barato e o jornal - do café vai tomar uma xícara, mas do jornal nenhum gole, é analfabeto de pai e mãe.
O patrão acorda, vai até à sala metido em seu robe de chambre, senta-se à mesa do café e encontra o jornal cuidadosamente dobrado ao lado do bule de prata. Ele coloca sobre o colo o guardanapo de linho branco, limpíssimo, bordado com o brasão da família, enquanto serve-se do líquido negro e fumegante. Reclama do gosto do café, pergunta pelo pão, mas fica muito satisfeito com sua foto na coluna social, em que aparece cumprimentando a esposa do governador por ocasião de seu aniversário.

domingo, outubro 05, 2008

Folhas secas

Em qualquer rua, de qualquer bairro, em qualquer hora do dia ou da noite, as casas antigadas são o que mais me atraem. Os casarões sobretudo. Gosto de ver um casarão ainda habitado, mas não muito bem conservado, com paredes descascando, mesas e cadeiras de metal escuro e folhas secas espalhadas por toda a área externa. Dá um alívio; como se ali, pelo menos ali, o tempo corresse mais devagar. Por que a pressa? é o que me pergunto nesse momento.
As janelas estão fechadas e são de madeira envelhecida; os lustres são de ferro e vidro igualmente velhos (dentro uma lâmpada de 40 watts acesa dia e noite, não fazendo a menor diferença quanto a iluminação, mas acrescentando uma nota poética ao conjunto da obra). Não há movimentação, nem de gente, nem de animais domésticos, mas sabe-se que a residência é habitada. O que fazem essas pessoas? Do que vivem? Serão descendentes de tradicionais e aristocráticas famílias soterradas por dívidas? Como será por dentro?
Móveis antigos, de madeira escura; quadros de pintores mineiros espalhados pelos amplos cômodos; torneiras de bronze em forma de cisne (por exemplo); banheira nos dois banheiros principais, cujo chão é de azulejos pretos e brancos como um tabuleiro de xadrez; lavabos, bidês, espelhos grandes e pesados, com cantos arredondados; esculturas em madeira, plantas, muitos e variados abajures, pisos de tábua corrida e tacos, portas ovaladas, lustres de cristal com muitas lâmpadas, cristaleira com taças, porcelanas e prataria.
Um velhíssimo senhor ainda serve àquela família; um senhor negro que cresceu na casa, descendente dos primeiros criados, dos últimos escravos.
Agora me vem uma agonia, por pensar que ali o tempo corre muito devagar.