quarta-feira, dezembro 19, 2007

Perspectiva

Ela me aprisionou. E não somente porque minha respiração, meus humores e as batidas do meu coração agora dependem das fases da lua de seu signo – o que já seria motivo suficiente para o uso tópico de terapias, álcool, religiões e outras drogas pesadas. Ela me aprisionou o olhar, estou sob sua perspectiva, a mercê dos seus gostos, em função das suas opiniões: o vinho com a carne, o sapato com a meia, a barba por fazer, o modelo de óculos escuros, o filme, a peça de teatro, o grupo de rock, os temperos da salada... E mais: a beleza de certos corpos, a vulgaridade de certas mulheres, a falta de bares especializados em drinks no Rio de Janeiro e a importância de um pouco de água do pote de azeitona na preparação de um bom martini.
Penso em me despedir gentilmente e sair de sua vida, ou desaparecer à francesa, mas são só pensamentos que nada mais fazem alem de me corroer na madrugada. Diante dela, tais pensamentos são mais inofensivos que um poodle.

Mas há um lobo adormecido, eu não me engano. Ontem mesmo senti uma de suas unhas me arranhar o estômago.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Fotografia

Debaixo de uma chuva constante; num bairro residencial; numa rua de pouco movimento; ia um homem numa bicicleta.
Na garupa, uma menina em roupa de escola, segurando um guarda-chuva preto. Agarrada à cintura do homem, a menina mantinha o guarda-chuva mais para a cabeça dele do que para seu próprio corpinho magro, que assim, não só recebia as gotas de lama atirados pela roda traseira da bicicleta, como também as muitas gotas que vinham do céu.
Agarrada à cintura do homem, com o rosto colado em suas costas, a menina sorria.

sábado, novembro 17, 2007

Fios de lembrança

Por um lado, não era muito o que lhe havia ficado daquela noite. O ambiente era muito escuro, como a maioria das boates e demais casas noturnas; a música era barulhenta, o som estava desnecessariamente alto e os amplificadores estavam em péssimo estado. Assim, o rosto daquele homem não lhe foi possível fixar; nem o timbre de sua voz e nem as palavras que aquela boca pronunciaram ao pé de seu ouvido. Os beijos foram os melhores de sua vida, mas não recordava se os lábios dele eram finos ou bem delineados. Seus olhos ardiam como brasa, mas de cor eram? E a cor da pele? E a quantidade de pelos nos braços? A barriga era firme, mas o umbigo era pequeno e produndo como o seu? Qual o tamanho do seu pé? As unhas eram aparadas?
Quando ele pôs a mão gentilmente dentro de sua calcinha, ela pode perceber os dedos grossos e a pele fina; quando ela pôs a mão dentro das calças dele, sentiu um pau latejante, quente e um pouco melado. Mas e o cheiro? E o gosto? O peso? Tamanho? De tudo...

Por que, Deus, teve que sair, ir embora, se afastar e ver sumir aquele encontro como o violento despertar de um sonho?

...

Sentada no banco do metrô, ela olhava para todos os homens que entravam e saíam. Olhava também os que permaneciam dentro, sentados, em pé ou escorados. E curiosamente lhe surgiu uma certeza: ninguém tinha cabelos tão bonitos.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Letra para um Blues

Quando tudo começa

Você toca um pouco
Você toca um vez
E você toca mais
No lugar onde as cordes batem
Forma um calo
Uma pele grossa na ponta dos dedos
Nesse lugar forma um calo
E é quando tudo começa
É quando tudo realmente começa

Você ama um pouco
Você ama uma vez
E você ama mais
No lugar onde o amor bate
Forma um calo
Uma pele grossa que envolve o coração
Nesse lugar forma um calo
E é quando tudo começa
É quando tudo realmente começa

domingo, outubro 28, 2007

A verdadeira dúvida existencial

Haverá vida antes da morte?

Notas sobre a psicobiologia dos peixes

1. Um aquário sobre a mesa
Um pequeno aquário, com um único peixinho vermelho dentro.

2. O aquário cai no chão
Não está claro o que teria provocado a queda do aquário - alguém o teria empurrado? (a sala estava vazia) Um terremoto teria feito a mesa balançar? (terremoto no Rio de Janeiro?) Um vento? (todas as janelas estavam fechadas) O próprio peixinho teria empurrado o aquário fazendo uso de uma força indizível? (talvez a opção mais plausível)

3. O aquário espatifado
O chão molhado; cacos de vidro pra todos os lados; o peixinho agonizando, agonizando, agoni...

- A situação do peixe era a seguinte: ele vivia fora de seu habitat natural, confinado num espaço mínimo, desumano (os pássaros engaiolados sabem do que estou falando), alimentado com uma ração barata pela empregada da casa, que não tinha obrigação de entender nada sobre peixes. A criança que o ganhara há muito que não se interessava mais por ele, e os outros habitantes da casa nunca se interessaram mesmo.
Se foi a casualidade que derrubou o aquário da mesa, pode-se dizer que o destino não fez mais que selar a sorte daquele triste animal, contribuindo, por assim dizer, para o fim mais rápido de sua medíocre existência. Se foi o próprio peixinho que, com força indizível, derrubou o aquário, podemos especular que ele o fez por dois motivos prováveis:
a) Para encerrar, ele mesmo, com sua agonia de vivente sem sentido;
b) Acreditando que, ao quebrar o aquário, ele estaria livre para fugir daquela vida.
Em ambos os casos, devemos considerar o esforço, o engenho e a coragem do peixinho. Afinal, quem já ouviu falar de um peixe que tenha derrubado o próprio aquário da mesa? A diferença entre a primeira e a segunda opção está na intenção, sem dúvida, mas também no maior ou menor grau de conhecimento que o peixe teria sobre sua própria natureza. Ter empurrado o aquário para cometer suicídio mostraria que o peixe sabia das consequências de seu ato. Mas se ele empurrou o aquário com o intuito de se libertar, significa um desconhecimento de si mesmo, total ignorância de sua natureza, de suas limitações. Porque, nesse caso, o peixe não saberia que, quebrando o aquário, ele expulsaria e espalharia o meio aquoso necessário a sua sobrevivência ("Quebrar o aquário", ele teria pensado, "romper as cercas que me aprisionam, desfazer os limites". E morreu).

4. A criança chega ao local da tragédia
Num ato de lamento e compaixão, a menina dona do peixe recolhe o bichinho do chão. Quer dar a ele um enterro digno, com caixão de pote de margarina (ainda está cheio, mas a mãe vai entender que foi por uma boa causa), cruz de palito de sorvete (terá que tomar dois sorvetes de uma vez, mas é pelo peixinho) e vela de bolo de aniversário (seu aniversário foi há poucas semanas atrás).

5. O gato da menina
Um dos motivos que explicam o desinteresse da menina pelo peixe é que ela ganhou um gato de presente de aniversário.

6. A menina decide brincar com seu gato
Peixe é bonito, mas não dá pra brincar com ele. Isso também explica o desinsteresse da menina. Gato é bonito, dá pra brincar, passar a mão... (uma vez, ela quis tirar o peixinho do aquário pra passa os dedos pelo seu corpinho. O pai chegou bem na hora em que a meina estava tentando catar o bicho da água. Mas agora, pensando bem, se o pai tivesse chegado na sala um pouco depois, com o peixinho já fora do aquário, na mão da menina, o pobre animal teria percebido que fora do meio aquoso ele não conseguiria respirar. Isso teria feito com que ele desistisse da idéia de empurrar o aquário - claro, supondo que foi ele quem empurrou a bolota de vidro e pelo motivo "b", ou seja, para ver-se livre). Ela não vai nunca deixar de brincar e de cuidar de seu gatinho, isso ela jurou para seu pai e foi assim que o convenceu a comprar o bichano.

7. O gato come o peixe
A brincadeira da menina com o gato foi assim: "Tóoum, dúvido que você pegue esse peixinho com a boca. Du-vi-de-o-dó!" E atirou o peixe na cara do gato. Depois de piscar cinquenta vezes com o olho direito - onde a cabeça do peixe bateu - Tom deu uma cheirada no cadáver e o engoliu, não sem antes dar umas boas mastigadas.
O peixe já estava morto mesmo. E o gatinho parecia faminto. Ela estava a caminho do enterro, mas... Ah, peixe não tem alma. Ou tem?

8. A mulher no divã
A mulher conta ao analista um fato curioso de sua infância, quando certa vez seu aquário despencou, sozinho, da mesa da sala. "Peixe tem alma?", ela pergunta ao analista. "Só Deus sabe", ele responde brincando (é um analista muito bem humorado, diga-se de passagem).

Diferença entre os gêneros

Os homens olham pra bunda das outras mulhers
Como garotos
As mulheres trepam com outros homens
Como mulheres

Difícil reconciliação

Meu pau está duro,
Mas meu coração também.

sábado, outubro 27, 2007

Anagrama

ALMA
LAMA

sexta-feira, outubro 26, 2007

(H)a fonte (?)

Nenhuma dor é comparável
Nenhum amor é desprezível
Nenhum dom deve ser desacreditado
Nenhum pedido de socorro
De matrimônio
Oxigênio

(A flor, alí, dançava sozinha e feliz porque o sol, uma nesga de sol, um único raio de sol, banhava um pedaço de uma de suas menores pétalas)

O gênio dos imbecis
A força do manco
O troco do fraco
O sorriso débil do condenado à morte

(O que há por trás do mais perdido dos olhares?)

Existe uma fonte, crêem alguns
Outros simplesmente não pensam nisso
Não pensam em nada
E se dizem felizes

Não bastasse isso...

Cinco toneladas de terra despencaram na entrada do túnel Rebouças, em Laranjeiras, e o trânsito no Rio deu um nó. Não bastasse isso, chove incessantemente há dois dias e todo mundo sabe o que acontece com o Rio de Janeiro quando o tempo fecha desse jeito. Não bastasse isso, a preocupação de chegar no Santos Dumond na hora do vôo. Não bastasse isso, a dúvida se o vôo sairá no horário, a dúvida mesmo se o vôo sairá ainda hoje, porque todo mundo sabe o que acontece com os nossos aeroportos quando chove - e também quando faz o melhor dos climas. Não bastasse isso, a solidão que me acompanhou toda essa semana em que ela esteve longe, em São Paulo, trabalhando, se divertindo, conhecendo gente nova, revendo antigos amigos, lugares, janteares, música. Não bastasse isso, a angústia de seu telefone ter ficado desligado da meia noite às três da manhã de hoje, porque "arribou a bateria" e a impotência de não poder fazer nada além de reclamar, mas aceitar o argumento e o pedido de desculpas. Não bastasse isso, a dureza da minha analista me mostrando por a + b que eu tenho mais é que cuidar da minha vida e entender que não existem garantias de segurança absoluta, e que tudo o que eu posso fazer é confiar. Não bastasse isso, a certeza de que depois será minha vez de ter que ter a santa paciência de aturar crises de ciúmes que não farão, aos meus olhos, o menor sentido. Não bastasse isso, a forte impressão de que nada disso é de fato relevante ou interessante, de tão batido, dito, redito, por tanta gente, tantas vezes, em tantas épocas diferentes. Não bastasse isso, a constatação de que não há mais nada de original na face da terra, pois todas as pulsões do homem tiveram início e fim nas tragédias gregas, e que desde então ficamos a repetir e diluir tais pulsões em conteúdos e formas menores, medíocres na maioria das vezes. Não bastasse isso, a fraqueza diante do desejo de largar de vez tudo o que faz de mim um pequeno burguês para me lançar definitivamente numa vida mais vibrante, corajosa, selvagem. Não bastasse isso, o ridículo desta última frase. Não bastasse isso, a falta de sedativos, paliativos ou calmantes nessas duas horas em que tenho estado trancado nesse taxi, parado no trânsito do Rio a caminho do aeroporto.

PS: Não bastasse tudo isso, o vôo das 20h50 foi cancelado às 21h50. A Gol enviou os passageiros de ônibus até o Galeão de onde saiu um vôo depois de meia-noite. Desembarcamos em Guarulhos e não em Congonhas como estava previsto, porque este aeroporto fecha às 23h. Fomos mandados pela Gol de ônibus até Congonhas, de onde peguei um taxi e cheguei ao meu destino às três da manhã. Ela estava cansada, eu explodindo. Dormimos sem fazer amor.

terça-feira, outubro 16, 2007

Cinema europeu

- Acordei com muita raiva hoje, muita raiva. Tive um pesadelo: a gente tava num trem, numa cabine de trem, desses trens europeus. Nunca estive num, mas sei pelos filmes. Não lembro de onde a gente tava vindo, nem pra onde a gente tava indo, mas era dessas viagens que se atravessam países, com certeza. A gente tava bem vestido, com elegância e coisa e tal. A gente tava dividindo a cabine com um outro casal, tipo a gente, um casal jovem, os dois eram bonitos... Eles pareciam com a gente até - mesmo. O clima na cabine era bom, que dizer, o casal tava rindo, desconstraído, rolava até uma sensualidade, eles tavam se pegando, se beijando, falando umas coisas bem baixinho, risinho na cara. Eu tava meio incomodado com aquilo, a gente tava muito perto deles, a cabine era meio pequena. Aí teve uma hora que o cara começou a dar uns beijos mais pesados na namorada, dava pra ver a língua dele passeando na boca dela, o batom borrando os dois... E de repente eu percebi que o cara tava olhando pra você! Ele olhava pra você enquanto beijava a namorada! Te olhava com os olhos apertados, sabe, fazendo a maior pose de galã o filho da puta. Aí eu olhei pra você e percebi que você também tava olhando pro cara, com um sorrisinho no canto da boca, você tava gostando daquilo, vocês dois tavam flertando bem debaixo do meu nariz! Eu te peguei pelo braço, falei qualquer coisa com certa raiva, mas você nem me ouviu; levantou e foi andando em direção ao cara, lentamente, respirando forte... Ai eu acordei... Com uma vontade imensa de enfiar a mão na sua cara...

- E a mulher?

- Que mulher?

- Do cara.

- O que é que tem?

- Ela olhou pra você?

- Sei lá. Quer dizer... Acho que sim, não lembro direito...

- Provavelmente ela flertou com você também.

- Sabe que agora que você tá falando isso... É verdade, ela tava me olhando também - cacete!

- Quê?

- Agora eu lembrei de tudo: quando você se levantou pra ir pra perto do cara, ela abriu a blusa e me mostrou os peitos!

- Eram bonitos?

- Lindos...

- E você não fez nada?

- Não, eu tava puto da vida com você.

- Que pena. Teria sido um sonho, não um pesadelo.

Ela se vira para o lado e volta a dormir.

domingo, outubro 07, 2007

Lista de Compras

Preciso seguir em frente:
Para o alto e avante.
Mesmo que só agora,
Levantando os braços,
Eu perceba
Que acabou o desodorante!

terça-feira, outubro 02, 2007

Trepada de Elite

Homem de preto
Qual é sua missão?
É invadir favela
E deixar corpo no chão

Pra quem não pescou, essa é a canção que os soldados do Bope cantam enquanto fazem seus exercícios matinais (isso eu li na coluna do Zuenir Ventura, mas como eu servi o Exército, sei bem que essas musiquinhas são variações do mesmo tema).
Quer dizer, o recado está dado. E está explicado também porque o Luciano Huck desabafou "Chamem a Tropa de Elite" quando foi assaltado em São Paulo. Porque se os homens de preto sobem favela e deixam corpo no chão, no fundo eles são a Tropa DA Elite.

Outro dia, num almoço de domingão, meu sobrinho perguntou: "Tio, você já viu Trepada de Elite?" Minha irmã conteve o riso e repreendeu o menino com severidade. Mas peraí? Por que as crianças podem brincar nas portas das escolas gritando:? "É faca na caveira! É faca na caveira!" - como eu vi anteontem no Humaitá -, mas não podem brincar falando Trepada de Elite? Trepada é melhor, tem humor e lembra o bom e velho slogam "Faça amor, não faça a guerra". Seria ótimo se, ao invés de uma Tropa DA Elite, nós tivéssemos o luxuoso auxílio de uma Trepada de Elite. Daí a música dos soldados seria:

Homem de preto
Qual é sua missão?
É beijar na boca
E fazer amor no chão.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Geografia do Leblon - II

Fui ao Letras & Expressões comprar o Le Monde Diplomatique Brasil. Custou 8,90. Depois atravessei a Rua e entrei no Garcia & Rodrigues para comprar uma fatia da famosa Torta Isabella. Custou 8,90.

Simetrias que não se explicam.

Ponte aérea 02

Em agosto do ano passado, escrevi uma postagem intitulada "Ponte aérea 01" e justifiquei o nome dizendo que muitas seriam as postagem tratado do mesmo assunto: a minha ida para São Paulo. Um ano depois, ainda estou no Rio e esta é apenas minha segunda postagem sobre o tema.

Todo mês acontece o TrixMix Cabaret - um teatro de variedades - no Café Concerto Uranus, um lugar belíssimo no Centro da cidade administrado por uma "senhora" uruguaia chamada Carlitos. O espaço já cria, por si só, um ambiente de irrealidade com suas mesas e cadeiras, bar e palco. A decoração feita de quadros, esculturas, velas, tecidos e até um chafariz, faz com que nos sintamos dentro de um filme do David Lynch (quem não se lembra do Clube Silêncio de "Mulholland Drive"?)

Se alguém souber de um lugar parecido no Rio, ou de uma proposta que se assemelhe a um teatro de variedades, favor me avisar. Tenho fome. E sede.

Entulhos

Costumava achar suas preocupações as mais fúteis que um ser humano poderia ter, mas não parava de pensar nelas: se a mulher o estava traindo com seu primo de segundo grau, se o filho "emo" era o viadinho da classe, se o cargo seria ocupado pelo colega mais jovem e mais arrojado, se o Dodô, pego no exame antidoping, iria desfalcar o Botafogo pelo resto do campeonato brasileiro...
Quando moleque, olhava pro céu e ficava tentando desenhar um mapa com todas as constelações que conseguia enxergar (o Cruzeiro do Sul e As três Marias foram as primeiras a serem descobertas e desenhadas). Também gastava horas tentando fazer um copo de geléia cair da mesa apenas com o poder da mente. Mas foi com a leitura do primeiro livro adulto, "Eram os deuses astronautas?", que as portas da percepção lhe foram abertas (sem falar nas músicas de Raul Seixas, que casaram direitinho com sua vontade de entrar numa nave espacial, sumir da face da Terra e só voltar quando tivesse descoberto as verdades do universo - ou, ao menos, como fazer para mover um copo de geléia apenas com o poder da mente).
Seguramente há um desvio de rota em sua existência, que deve ter acontecido ali pelos 17 anos, quando começou a fazer cursinho pré-vestibular e a luta por um lugar ao sol perdeu de vez o sentido literal. Outro dia, até deu um tapa no baseado de um conhecido do trabalho, mas a sua única viagem foi se imaginar na cama, porque deu uma lombeira...
Mas as coisas podem mudar, claro, sempre podem mudar. O papel de exame em sua mão, a mulher sorrindo na sua frente, a notícia de que seria pai novamente - indícios de mudança, porque um filho significa, entre outras coisas, a possibilidade de recomeçar do zero, de aprender enquanto ensina, de enxergar o mundo com olhos de inocência, de descoberta, de deslumbramento: uma alma pura, que iria purificar a sua alma já entulhada de bobagens de toda espécie. Esperança.
O diabo é que não parava de pensar que o filho não era seu, mas sim de seu primo de segundo grau.

domingo, setembro 23, 2007

Geografia do Leblon - I

Faz pouco mais de um ano que moro na Rua Jerônimo Monteiro, última rua do Leblon - a primeira à direita de quem vem do canal - pertinho da Praça Cazuza, onde fica o MacDonald's. É impossível olhar para lá sem um certo desprezo, ou pelo menos o desejo de que aquele prédio tão interessante alojasse um teatro, uma casa de shows, ou um bom restaurante (não, restaurante não. O Leblon não precisa de outro restaurante, assim como não precisa de mais uma loja de grife, muito menos de um outro shopping...)

terça-feira, setembro 11, 2007

O silêncio dos não-inocentes

Esse meu silêncio é o quê?
Essa falta do que dizer diante de um mundo com tudo a ser dito?
O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê? O quê?

Na falta da minha voz, a de outro: GLauber:

"A ARTE revolucionária dever ser uma MÁGICA capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não mais suporte viver nesta realidade absurda".

Na falta da minha voz...

sexta-feira, agosto 03, 2007

Prece

Todas as noites, antes de dormir, ele reza a mesma reza: pede a Deus para ver mais o lado bom das coisas, que o lado ruim. Daí, pensa ele, as coisas vão ser mais boas que ruins.

sábado, julho 14, 2007

(Des) aforismos

* Toda vez que você quiser me magora, você vai conseguir.

* Eu sou perfeito até nos meus defeitos.

* Todo mau caráter tem desvio de septo.

* Os pais acham que as primeiras palavras que os bebês pronunciam dizem respeito a ele ou a ela. Ledo engano. Papá não é papai, é comida. Mamá não é mamãe, é bebida. (a partir de uma de reflexão de Rubinho Jacobina, pai neófito, mas perspicaz).

A caminho da boate

ELE: Pra beber, eu só preciso do meu braço direito.

ELA: E alguém pra pagar a conta.

ELE: Você é meu braço direito.

quinta-feira, julho 12, 2007

Sutil diferença

Na padaria, eu peço um café preto; ela uma xícara branca.

Comunidade global

Uma mulher não entende o sistema de senhas dos correios e a cada chamada do piscador eletrônico ela se dirige a um guichê. Já fez isso tantas vezes que resolveu ficar de pé. Vergonha, eu acho, de não estar adaptada, ou de não adaptar-se tão rapidadmente quanto necessário, ao sistema eletrônico de senhas dos correios (vale lembrar que o sistema não é assim tão simples, afinal, além de ter que tirar uma senha de uma máquininha que pouco informa, o sujeito tem que ententer que existem duas listas de chamadas, uma normal, e outra para atendimento prioritário. Essas listas vão se alternando, a pessoa tem que estar realmente atenta).
Então ela tira da bolsa um celular de última geração, com fone de ouvido e tudo, e começa a falar em voz alta. Ela quer mostrar a todos que ela não é uma excluída, que ela entende, sim, e está por dentro, sim, do mundo eletrônico - em última instância, do mundo.

quarta-feira, julho 04, 2007

Faz sentido

Pesquisa indica que 15% dos universitários nunca leram um livro

Metade dos brasileiros perde a virgindade sem usar camisinha

Jovens agridem rapaz e escapam da polícia - Eles foram liberados após telefonar para alguém supostamente influente

TUDO FAZ TANTO SENTIDO...

terça-feira, junho 26, 2007

O furo quase imperceptível

Hoje de manhã, o pneu da frente da minha bicicleta estava vazio. Fui até o borracheiro e o enchi, mas sei que ele está furado, porque não é a primeira vez que isso acontece. Deve ser um furo bem pequeno, quase imperceptível, porque depois de cheio o pneu funciona durante um dia inteiro como se estivesse em perfeitas condições. Amanhã, quando eu for sair com a bicicleta, o pneu estará vazio novamente e novamente terei que levá-lo para encher.
Consertar um furo como esse deve custar, no máximo, uns cinco reais. E o borracheiro deve levar, no máximo, quinze minutos para fazê-lo. O problema é que sempre tiro a bicicleta da garagem para chegar, com alguma urgência, em um compromisso qualquer e não me é possível fazer o conserto do pneu nesse momento, tenho tempo apenas para enchê-lo. Quando volto do compromisso, como está tudo bem com a bicicleta, nem me lembro que o pneu está com o tal furo quase imperceptível e, assim, levo a bicicleta direto para a garagem - pode acontecer, também, que, voltando do compromisso, eu me lembre do furo, sim, mas a vontade de voltar logo pra casa é tão grande e a preguiça é tão grande, que deixo para depois uma tarefa inevitável (e, em alguma hora, não mais adiável).

segunda-feira, junho 25, 2007

Sã vaidade

Uma mulher que sai de casa a uma da manhã, porque brigou com o marido (sai para beber, embora ambos tivessem acabado de chegar um tanto quanto alterados de álcool). Um marido que não consegue dormir, preocupado (preocupação tardia, posterior ao que deveria ter feito, ou seja, impedido a mulher de sair) e que sai de casa, quase às três da manhã, pra procurar a mulher.
Os dois se encontram numa rua qualquer, escura e deserta, ela carregada por um outro homem, quase não se agüenta em pé (no dia seguinte vai dizer que nunca bebeu tanto na vida).
O marido a toma nos braços como se ela fosse um bastão que os atletas de revezamento 4x100 usam. Só lhe resta apertar a mão do outro homem e agradecer, apesar de estar mesmo é desconfiado da gentileza do distinto cavalheiro.
No meio do tumulto - palavras, muitas palavras são proferidas - o marido percebe o batom que sua mulher traz na mão: bêbada, sim, ele pensa, mas não louca, porque conservou a vaidade.

quarta-feira, maio 09, 2007

Achados e Perdidos

Como perdidas se as balas, no Rio de Janeiro, têm um endereço certo, o inocente?

quarta-feira, maio 02, 2007

Loucura

No Rio, matam-se policiais como quem troca de camisa. De força.

terça-feira, maio 01, 2007

sabedoria milenar de hoje à noite

Não sei de onde vim
Nem para onde vou
Mas uma certeza ninguém me tira:
O peixe estava bem temperado.

quarta-feira, abril 18, 2007

Estréia

Maria leu
No livro dos nomes
E colheu,
Do livro, dois nomes:
Julieta, se menina
se menino, Romeu.

Nasceu
Em Maria
A vontade de fazer teatro.

Escrito em 26 de agosto de 2004.

Na hora do chá

Gato caminhando pela beirada do terraço. Acima, a lua prateada. Abaixo, dois andares abaixo, no prédio em frente, uma menina de, no máximo, 15 anos dançando funk só de calcinha e com o dedo na boca. A chaleira apitando, a água fervendo, o telefone tocando sem parar. Vou chegar mais tarde, hoje, reunião no escritório. No lado de cá da linha: Não tem problema, eu ia mesmo tomar um chá e dormir cedo.
Gata no cio. Acima, a lua parece sangrar de tão vermelha (não era prata?). Abaixo, dois andares abaixo, no prédio em frente, a menina dançando com a mesma fúria e o dedo na boca, mas agora no colo do senhor engravatado (não gosto daquela gravata, realmente não lhe cai bem). Chá servido e sorvido na varanda. Não, ele nunca foi tão pontual.

- Anotação em agenda de junho de 2005.

terça-feira, abril 17, 2007

Agora vai! (Eu acho)

Temos a oportunidade histórica de virar o jogo contra a miséria humana em que estamos metidos, após as recentes incursões da Polícia Federal no fétido mundo do crime organizado que já envolveu, há muito, o legislativo, o executivo e o judiciário de todas as esferas governamentais: municipais, estaduais e federal.
Mas o que me deixa mais otimista nisso tudo e o que me faz crer numa mobilização do povo (Meu Deus, onde está o povo brasileiro? Onde estou eu?) para que não haja, uma vez mais, impunidades pra tudo que é lado, reside no fato de que houve roubo no resultado do desfile das escolas de samba do Rio. E como a Beija-flor tem sido seguidamente campeã do nosso carnaval, a coisa é realmente muito séria. Duvido que as nações da Mangueira, do Estácio, do Salgueiro e adjacências vão ficar de braços cruzados num momento grave como esse. Duvi-de-o-dó!

Bom, mas se ninguém for pra rua depois disso, resta ainda uma última esperança: que a PF faça uma incursão pela máfia do nosso futebol. Já pensaram no fuzuê que isso pode acarretar? Ai, sim, o povo vai botar pra quebrar.

quarta-feira, abril 11, 2007

A conversão

Acabei de escrever um texto chamado “Vão Paraíso” e com isso creio estar entrando numa nova e emocionante etapa da minha vida: a comédia. Não que o humor não estivesse presente nos meus textos, mas agora ele ganha lugar de destaque. É como se eu estivesse me convertendo, religiosamente, a um estágio superior de humanidade, aquele dos que riem de si mesmo. Nesse sentido, Woody Allen é meu pastor e nada me faltará enquanto ele estiver vivo e fazendo piadas sobre sexo, análise e judeus. Juro que pensei até em me converter também ao judaísmo só para poder fazer como o mestre Woody sem maiores problemas. Por falar nisso, vocês (?) já viram o filme do Borat? Noooooooooooooot?!?

quarta-feira, abril 04, 2007

Água-viva e tatuí

Nunca fui grande frequentador de praia, mas eu lembro bem que, pelo menos até minha adolescência, Copacabana tinha tatuí e água-viva. Essa última era responsável pelo meu temor de entrar na água, ficava imaginando as minhas pernas sendo atingidas pelo bichinho transparente e molengo que me queimaria gravemente.

Hoje eu evito entrar na água para não ser atingido nas pernas também por algo transparente e molengo: sacos plásticos.

Tatuí? Dizem que em Búzios ainda há.

domingo, março 18, 2007

Ofício

Na última postagem escrevi "arte" entre aspas por vergunha e por achar que chamar de "arte" o que faço é pretensão acima da minha autocrítica.

Poderia editar a postagem abaixo, mas prefiro mantê-la como está, rebatizando o que faço, diante de todos (?), de "ofício". Sem aspas: ofício.

Rio Vermelho

O Rio de Janeiro virou um balneário de sangue.
A nossa malícia virou milícia.

Antigamente se dizia que este ou aquele jornal pingava sangue.
Hoje, qual jornal não estampa na primeira página fotos de mães desesperadas com a morte violenta de seus filhos?

Mais uma vez ponho minha "arte" em xeque: pra que escrever? Pra quem?