quarta-feira, outubro 25, 2006

Certa decisão

Era apenas o começo. E como todo começo deveria ser ardente em desejos. E até era, mas os desejos não se concretizavam em carícias plenas. Eles se abraçavam, se beijavam, se alisavam, se insalivavam... Ainda vestidos, ela sentia seu pau duro roçar-lhe a vagina, que imediatamente começava a se umedecer. A pulsação se acelerava, um rubor cobria a face de ambos (eram muito brancos), suor, pequenos tremores, calafrios... Mas despidos, um em cima do outro, a coisa mudava de figura. Ele ainda a desejava, mas seu corpo – uma parte importantíssima de seu corpo – não correspondia. Ela ajudava como podia, beijava, lambia, mordia, assoprava... E nada. Aconteceu na primeira vez em que foram pra cama. E na segunda, e na terceira, e na quarta. Depois tentaram no chão, na cozinha, na escada do prédio, na rua, na praia, no cemitério. Era sempre a mesma coisa. Situação das mais tristes: tão apaixonados! Tão jovens!
Ele passou a acreditar piamente que era impotente, e estava apavorado. “Para tirar a prova dos nove”, disse-lhe um amigo, “você precisa tentar transar com outra mulher. Feia”.
Foi num sábado, numa boate qualquer da Barra da Tijuca, que ele foi apresentado a Thabata, uma menina novinha, mas bem acabadinha, que adorava “bombar” na noite carioca e que era carinhosamente conhecida como “Thabata fim de festa”. Ele bebeu o quanto pôde, tanto que saiu da boate de mãos dadas com Thabata direto para um motel nas imediações (aos urros dos amigos presentes).
Produzida, Thabata parecia uma mulher feia, mas “pegável” (palavras do amigo). Sem a maquiagem, com o cabelo perdendo o alisamento chapeado, sem a calça super apertada, sem o sutiã de acrílico, sem a luz negra ou estroboscópica da boate e com o nível de álcool no sangue (dele) se normalizando, Thabata era a personificação da morte do desejo.
“Tu é foda!”, foram as últimas palavras de Thabata antes de desmoronar inconsciente na cama do motel. Ele estava perplexo com o próprio feito (deu duas bem dadas e o pau ainda latejava) e sem saber direito se ficava feliz porque não era broxa, ou triste por não conseguir ter desempenho nem de perto semelhante com a garota que amava. “O problema é o amor?”, perguntou-se em meio aos roncos de Thabata.
De fato, Rodrigo achava que Clara era seu primeiro amor; todas as suas namoradas anteriores foram apenas paixonites adolescentes. Os meses que passaram amadurecendo a idéia da primeira transa - entre eles - fortaleceu-lhes o sentimento amoroso. “Sai fora”, aconselhou o amigo enquanto apertava freneticamente os botões do joystick de seu playstation. “Mulher tem a rodo em todo canto. A Thabata já espalhou pra geral que tu manda bem na cama, esquece a Clara. Quer jogar?”

Naquela noite, Rodrigo não pregou os olhos de tanta tristeza, porque no dia seguinte teria, inevitavelmente, que terminar seu namoro com Clara.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Tudo errado

Ele era mole da cintura pra cima, quase não tinha músculos.
Ele era duro da cintura pra baixo, não sabia dançar nem música lenta.
E tinha pau mole. E coração duro. E miolo mole. E cabeça dura. Caráter mole. Vivia duro. Vida dura. Infância dura. A duras penas. Cama dura. Rapadura. Ditadura. Nada era mole.

Sistema de cotas

Quem é contra a implantação do sistema de cotas raciais no Brasil ainda não parou para pensar que não necessariamente ele precisa ser adotado à estado-unidense. Somos um povo criativo e famoso por seu “jeitinho” e podemos facilmente adaptar tal sistema às nossas necessidades locais.

À guisa de exemplo, lanço a primeira sugestão: cota mínima de brancos nas prisões brasileiras. Pelo menos 20% da população carcerária do Brasil deveriam ser de brancos. Se a igualdade racial não é conquistada “por cima”, vamos conquistá-la “por baixo”. Não é genial?

Podemos até mesmo exportar essa idéia para outros países, inclusive para os Estados Unidos: pelo menos 20% - ou, vá lá, 10% – dos condenados à cadeira elétrica deveriam ser brancos.

E você? Tem alguma sugestão para o nosso sistema de cotas raciais?

domingo, outubro 22, 2006

Nadar e morrer na praia

Nadar e morrer na praia. Ele estava acostumado com isso, sua vida tinha sido (estava sendo) uma constante variação deste mesmo tema: nadar e morrer na praia.
Portanto, apesar do desespero daquele momento, ele tinha a convicção de que tudo estava em seu lugar. Começava a engolir água e a bater os braços frenética e descontroladamente, suas pernas não produziam mais nenhum sentido com seus movimentos aleatórios, os olhos ardiam com a água salgada... Só a voz não lhe era desperdiçada, porque não via ninguém perto nem longe para poder socorrer-lhe: matinha-se calado.
Sabe aquela história de que, na hora da morte, passa um filme na cabeça do candidato a defunto? Ele pensava nisso, nisso de dizerem que passa um filme. E esperava que a sessão fosse começar a qualquer instante afinal de contas! Mas não começava.
Nunca terminara um curso de idiomas, nem mesmo o de inglês (e ele não conhecia ninguém que não falasse inglês). Nunca passara dos três primeiros meses em academias de ginástica (“A partir do terceiro mês é que o trabalho realmente começa e se consolida”, lhe diziam, mas...). Nunca aprendera a nadar... E ali, naquele momento, estava a prova cabal desse fato. Cabal mesmo, estava prestes a morrer. Hei! Aconteceu! Passou o filme de sua vida na sua cabeça. Bom, foi uma espécie de curta-metragem; não, foi só o trailer do curta-metragem. Mas foi um filme. Isso queria dizer que... Sim, ele ia realmente morrer, o filme tinha terminado. Tudo bem, ele não estava mais com medo.

* * *

A luz divina... Forte como o sol. E um anjo, loiro como nas pinturas e desenhos. Outro anjo... E uma anjinha linda, com um biquíni delicioso e... Uma prancha de surf! Golfadas de água, ajuda para se sentar, comentários sarcásticos sobre como-era-possível-alguém-se-afogar-no-raso...

- Sempre quis surfar – ele disse, ainda tonto e com a barriga inchada de água e alguns peixes. Até comprei uma prancha, fui com ela pra praia, mas... Eu nunca consigo fazer nada do que eu quero até o final; nado, nado e morro na praia”.

- Dessa vez tu não morreu, ô mane! – disse a anjinha, indo embora junto com o restante da trupe celestial. Ela tinha razão.

terça-feira, outubro 10, 2006

Tarja preta

Quando fecharam a tampa do caixão, seu pranto espasmado surpreendeu a todos. E mesmo aqueles menos ligados afetivamente à mulher ou menos suscetíveis às lágrimas, não puderam se conter ante tamanha demonstração de dor e desespero.
O que ninguém sabia era que o rapaz não chorava pela perda definitiva da mãe (muitas pessoas só se convencem da perda de uma vida quando o corpo é encoberto pela tampa do caixão), nem a lembrança do pai, também recentemente falecido. O rapaz chorava porque minutos antes de lacrarem o corpo da mãe, uma tia o abraçou com sincero afeto. E ele teve uma ereção.

domingo, outubro 08, 2006

Kit de sobrevivência

Ela tinha duas grandes necessidades na vida:
um pau e um microfone.