sábado, março 22, 2008

A escova azul

Duas semanas, ou três semanas? Era o início da terceira semana. Para ele, a compra de duas escovas de dente, uma rosa para ela, uma azul para ele, não tinha relação direta com o tempo em que estavam juntos (tempo este que coincidia com o tempo que eles se conheciam). Pareceu-lhe natural colocar a escova rosa no copo de requeijão que ficava na prateleira de seu banheiro. Da mesma forma que lhe parecia natural mostrar a ela a escova azul, explicando que era para ficar em sua casa. Mas a freada brusca do carro naquela noite chuvosa mostrou que para ela a coisa não se dava bem assim.

O que é uma escova de dentes? Em princípio um simples objeto de higiene bucal. Por que eles deveriam continuar compartilhando as mesmas escovas cada vez que um dormia na casa do outro? Em duas semanas de relação, só não dormiram juntos três noites. Por que, então, cada um não podia ter sua própria escova na casa do outro?

Voltavam do cinema e haviam passado na casa dele para pegar a mochila com tudo o que ele iria precisar no dia seguinte, inclusive a escova de dente azul, comprada junto com a rosa naquela tarde.

- Comprei uma coisa pra deixar na sua casa.

O motorista do carro que vinha logo atrás deles precisou de muita habilidade para desviar do carro dela, principalmente porque a pista estava molhada da chuva. Para ele a reação da namorada (?!) foi desmedida, quase teatral. Depois dos xingamentos do habilidoso motorista do outro carro, o silêncio imperou, quebrado apenas pelo barulho do limpador de pára-brisa e das grossas gotas de chuva que bombardeavam a lataria do automóvel.

Minuto e meio depois, ela ligou novamente o carro, acionou a seta e pegou um retorno.

- Melhor cada um dormir na sua casa.

O que ele poderia dizer? Em pouco tempo o carro chegou à frente de seu prédio. Ele saltou e imediatamente um zumbido eletrônico fez com que o portão se abrisse (o porteiro sabia de quem se tratava). Entretanto, apesar da chuva, ele não entrou. Esperou que ela fizesse a volta e decesse a rua, até desaparecer na primeira curva à direita. Então, ele olhou para a escova de dente azul que estava em sua mão e se lembrou do comercial que dizia que aquela marca era recomendada pelos dentistas.

Melhor seria se fosse recomendada pelos psicólogos, foi o que pensou antes de entrar.