Nadar e morrer na praia. Ele estava acostumado com isso, sua vida tinha sido (estava sendo) uma constante variação deste mesmo tema: nadar e morrer na praia.
Portanto, apesar do desespero daquele momento, ele tinha a convicção de que tudo estava em seu lugar. Começava a engolir água e a bater os braços frenética e descontroladamente, suas pernas não produziam mais nenhum sentido com seus movimentos aleatórios, os olhos ardiam com a água salgada... Só a voz não lhe era desperdiçada, porque não via ninguém perto nem longe para poder socorrer-lhe: matinha-se calado.
Sabe aquela história de que, na hora da morte, passa um filme na cabeça do candidato a defunto? Ele pensava nisso, nisso de dizerem que passa um filme. E esperava que a sessão fosse começar a qualquer instante afinal de contas! Mas não começava.
Nunca terminara um curso de idiomas, nem mesmo o de inglês (e ele não conhecia ninguém que não falasse inglês). Nunca passara dos três primeiros meses em academias de ginástica (“A partir do terceiro mês é que o trabalho realmente começa e se consolida”, lhe diziam, mas...). Nunca aprendera a nadar... E ali, naquele momento, estava a prova cabal desse fato. Cabal mesmo, estava prestes a morrer. Hei! Aconteceu! Passou o filme de sua vida na sua cabeça. Bom, foi uma espécie de curta-metragem; não, foi só o trailer do curta-metragem. Mas foi um filme. Isso queria dizer que... Sim, ele ia realmente morrer, o filme tinha terminado. Tudo bem, ele não estava mais com medo.
* * *
A luz divina... Forte como o sol. E um anjo, loiro como nas pinturas e desenhos. Outro anjo... E uma anjinha linda, com um biquíni delicioso e... Uma prancha de surf! Golfadas de água, ajuda para se sentar, comentários sarcásticos sobre como-era-possível-alguém-se-afogar-no-raso...
- Sempre quis surfar – ele disse, ainda tonto e com a barriga inchada de água e alguns peixes. Até comprei uma prancha, fui com ela pra praia, mas... Eu nunca consigo fazer nada do que eu quero até o final; nado, nado e morro na praia”.
- Dessa vez tu não morreu, ô mane! – disse a anjinha, indo embora junto com o restante da trupe celestial. Ela tinha razão.
domingo, outubro 22, 2006
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