segunda-feira, outubro 06, 2008

Folhas Secas - II

Hoje não tem nem café. Não há mais pó e a única caixa de fósforos da casa está molhada no banheiro, perto do gás. Acordar o patrão a essa hora da manhã é inútil, ele nunca se levanta antes do meio-dia e, provavelmente, não tem nenhum tostão para as compras.
O preto se ergue da cadeira da cozinha com a dificuldade usual da idade, pega o guarda-chuva, pois gotas miúdas salpicam de nuvens carregadas desde a madrugada, e vai até a venda que fica a duas quadras do casarão.
Compra com uns trocados próprios, economizados de outros carnavais, uma caixa de fósforos, um pacote de 250grs do café mais barato e o jornal - do café vai tomar uma xícara, mas do jornal nenhum gole, é analfabeto de pai e mãe.
O patrão acorda, vai até à sala metido em seu robe de chambre, senta-se à mesa do café e encontra o jornal cuidadosamente dobrado ao lado do bule de prata. Ele coloca sobre o colo o guardanapo de linho branco, limpíssimo, bordado com o brasão da família, enquanto serve-se do líquido negro e fumegante. Reclama do gosto do café, pergunta pelo pão, mas fica muito satisfeito com sua foto na coluna social, em que aparece cumprimentando a esposa do governador por ocasião de seu aniversário.

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