terça-feira, julho 29, 2008

HOMME

Trancou a bicicleta no poste em frente ao prédio onde trabalhava; esfregou uma mão na outra para amenizar as manchas de graxa; tirou a camisa da mochila e jogou-a sobre o corpo suado. Entrou no prédio no mesmo momento que sua colega, esta vestida e maquiada para mais um dia de batente no escritório. Que bom que sou homem, ele pensou, olhando o painel do elevador. Mas não havia se dado conta do próprio pensamento. Como assim? Não pensou no que pensou? Não, não pensou. Apenas... pensou.

Horas depois, estava sentado num boteco almoçando isca de fígado acebolado com feijão, arroz, salada de alface e tomate, farofa e duas ou três batatas cozidas. Ao seu lado, sentou-se um sujeito negro, com roupas velhas e sujo de tinta de parede. Um aceno de cabeça foi o bastante para dizer, respeitosamente, que iria se sentar também àquela mesa. Algo parecido se deu na hora de pegar a garrafa de pimenta e em seguida o paliteiro: nenhuma palavra foi dita e, no entanto, a comunicação era perfeita. Que bom que sou homem, ele pensou novamente, agora dando-se conta da sensível formulação. Ficou contente com a frase tão simples quanto objetiva. Pediu uma caneta ao dono do boteco, puxou de um copo de geléia uma folha grossa que servia de guardanapo e começou a anotar a frase: que bom que... Parou no meio ao notar que o negro, que espalitava os dentes com vigor, tentava ler o que ele escrevia. Então, devolveu a caneta, amassou o papel e foi embora, pensando em anotar aquela frase quando estivesse a sós.

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