quinta-feira, dezembro 14, 2006

Cem minutos para a Nova (?) Dramaturgia (?) Carioca (?)

(Texto escrito para o programa de mão do projeto "Contemporâneo", da OI Futuro)

Sei lá se essa dramaturgia é nova; sei lá se todos os trabalhos possuem algo que possa ser definido como dramaturgia; sei lá se todos os novos dramaturgos desta cidade são cariocas; sei lá o que é o beribéri, sei lá, ô! Mas uma coisa é certa: existe conflito, portanto existe ação. Grandes atitudes, pequenos movimentos, heróis cumprindo seus presságios de vagar em busca de pauta, verba, visibilidade, público. Somos aqueles que, entre um conceito e outro, preenchem uma planilha da Lei Rouanet e colam cartazes no Baixo Gávea. Não somos os filhos da revolução, somos os filhos das reformas (da previdência, da providência). Somos burgueses sem religião, mas com fé cênica, ou melhor, fé na cena.

O grande lance é que não sabemos se lá do morro ou lá dos edifícios, dá pra ver legal o que acontece aqui no nosso litoral. A nossa praia é o teatro, mas esse mar parece estar sendo constantemente aterrado. Gritamos, mas sentimos que, nem morro, nem asfalto, nos ouvem. Estamos presos nesta sonífera ilha, mas não queremos descansar os olhos ou sossegar a boca; queremos, sim, encher tudo de luz – ou trevas.

Para isso, usamos o bom e velho teatro. Entretanto, senhoras e senhores da velha guarda, não podemos nem queremos renegar todas as quinhentas e trinta e oito mil influências que downloadiamos diariamente em nossos poderosos e condicionados HDs. Percebam que não se trata de maneirismos ou pós-modernices; simplesmente esta é a nossa herança, a nossa formação, o nosso dia-a-dia. Olhem para os lados e as senhoras e os senhores verão as fronteiras ruindo, os limites se apagando, os gêneros se promiscuindo. Mas não se assustem, porque o joio será separado do trigo – isso é bíblico. Então, quem sabe um Shakespeare cyberpunk não virá, impávido que nem Muhammed Ali, para encantar a rainha com uma fantástica mistureba de unidades (talvez ele crie uma comunidade no Orkut chamada “Às favas com as regras”)? Mas, como leite vigiado não sobe, é melhor deixarmos para o porvir a avaliação do que se passa agora com a nata.

Nata? Nada disso, somos apenas cinco jovens privilegiados que foram convidados a mostrar 100 minutos de diálogo entre o clássico e o contemporâneo; 20 minutinhos pra cada um dar seu OI para o FUTURO (com alusão ao patrocinador, obviamente). E fomos convidados como o quê? Como dramaturgos. Certo? Errado? Sinceramente, já não sei dizer, porque, nós somos os diretores dos nossos trabalhos e, em alguns casos, atuamos também – ah! Sem contar que estamos produzindo, nós mesmos, as nossas peças. Somos o que então? Somos criadores, somos criativos. Contra a adversidade, a diversidade; porque nesse globo mundializado o diferencial é a criatividade. E isso nós tentamos refletir em nossas cenas: escrevemos de dentro da sala de ensaio, com o laptop no colo; discutimos política, estética, novela, abertura de editais, cinema, sacanagem, aluguel, violência urbana, figurino, vídeo-projeção, sanduíche de mortadela com coca-cola, carona pra Santa Tereza, festinha, divulgação, orçamento, vaquinha, trepadas, concursos, amigo-oculto, camada de ozônio, operação tapa-buraco, drogas leves, drogas pesadas, de onde viemos, pra onde vamos depois do ensaio... E como estamos no Brasil, quase sempre tudo termina em pizza e cerveja.

Faz diferença morar e trabalhar no Rio de Janeiro, claro. Pegue o caderno de cultura do principal jornal desta cidade e veja, dentre as peças anunciadas em serviço, quantas são comédias, quantas são musicais, quantas são dramas, quantas são alternativas, undergraunds, off. Sem juízos de valor, trata-se apenas de estatística. Vá ao Shopping da Gávea e tente comprar ingresso, no dia, para qualquer uma das peças em cartaz (aproveite e veja quantas são comédias, dramas, alternativas...). Agora repita essa experiência num teatro de rua. Depois saia da Zona Sul e procure um teatro, digamos, na Tijuca, a zona sul da zona norte. Vá à Baixada Fluminense.
Dizem que o mundo é pequeno, mas dizem também – e eu concordo plenamente – que o mundo é grande, a distribuição de renda é que é péssima. E as senhoras e os senhores não acham que isso afeta a diversidade, dentro e fora do palco? Portanto, proponho que deixemos de lado, por hora, a tentadora vontade de classificar de Nova e Carioca a dramaturgia que estamos criando. Somos cinco privilegiados com 20 minutinhos cada. E afinal, cem minutos é melhor que sem minutos.

Walter Daguerre
Novo (?) Dramaturgo (?) Carioca (!)